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Auto-análise, parte final - será mais um anti-climax???

... Um floco de neve pairava sobre o morro - aquele morro verde, de aroma tão nostálgico, e que jazia inquieto no aconchego da minha cuia. Mesmo que o sol brilhasse no poente, eu me valia do mate para me manter aquecido naquele banhado, enquanto crianças e cachorros também teimassem contra o frio brincando na lama...

Eu pensei em começar este texto de maneira diferente - até já tinha escrito parte dele, começando com uma música do 'Engenheiros', mas já que eu esqueci de levar a câmera para o passeio deste sábado no banhado de Hampstead, tentei descrever com palavras esta cena que, por si só, fez valer a pena ter saído do conforto do meu quarto e do sistema de aquecimento.

E este é exatamente o ponto que eu queria chegar com o texto (ou seja, esta experiência poupou vocês de terem que ler mais uns 3 ou 4 parágrafos - e quem disse que uma imagem, uma experiência, não valem mais que mil palavras???). Nos posts anteriores, viajei bastante sobre minha dificuldade em manter o foco nos meus planos e sonhos a longo prazo, sobre a falta de harmonia entre minhas paixões e minha razão, e tudo o mais que isso acarreta. Mais além, semana passada ainda resolvi tentar conceituar liberdade em função de disciplina, o que acreditei ter tudo a ver com a conclusão da minha análise.

Hoje, então, quero compartilhar com vocês exatamente a solução para todos os meus problemas (ou qualquer outro slogan de produtos Tabajara). O raciocínio é bem simples: preciso sair de situações de conforto superficial, quebrar rotinas improdutivas (e às vezes depressivas), e assumir uma disciplina em minha vida - não somente uma disciplina de horário para comer e dormir, ou de metas de trabalho a cumprir, mas sim uma disciplina de vida, de fazer valer os momentos do meu dia-a-dia, de realmente aproveitar as oportunidades que surgem.

OK... agora vou tentar deixar de lado os discursos prontos, abstratos, e apontar questões mais pragmáticas. Para isso, nada melhor do que tomar em consideração situações da vida real. Vamos considerar uma métrica de inutilidade I, como sendo a proporção de tempo que eu passo dormindo ou vadiando na frente do computador sem formar nada produtivo. Num levantamento aproximado dos últimos 6 meses, dá para apontar dois períodos em que conseguir manter por mais tempo uma disciplina constante de dias mais úteis (ou seja, com menor taxa de inutilidade I): Uma semana em novembro, quando uma amiga minha (valeu, Lê!!!) passou seus últimos dias de Londres aqui em casa, e o período de final de 2009 / início de 2010, em que eu passei no RS cercado de pessoas que eu amo.

Pronto!!! De novo, meus problemas claramente voltam a ser equacionados em função da solidão... Mesmo que a idade esteja me deixando um pouco mais ranzinza, com menos paciência para tolerar certas nuances do convívio social, fica cada vez mais claro para mim o quão positivamente importante é estar cercado pela família, pelos amigos, por aqueles com quem a gente realmente se importa, e que realmente se importam com a gente.

Aqui, então, entra a música do Engenheiros que eu mencionei anteriormente, "pois agora, lá fora, todo mundo é uma ilha - a milhas, e milhas, e milhas de qualquer lugar". E exceto pelos sul-americanos que por aqui eu conheci, e por eventuais demonstrações de carinho e espontaneidade, esta cidade segue me passando a impressão de uma grande máquina, onde cada ser humano não passa de mais uma mera e fria engrenagem - onde cada um de nós é somente destinado a cumprir seu papel de trabalhar pesado (seja por ambição ou por obrigação) e ficar bêbado nos fins de semana (afinal de contas, o ser humano precisa "descontrair" um pouco, nem que seja com estímulo externo). Ou, como diziam os Mutantes, "as pessoas da sala de jantar são ocupadas em nascer e morrer".

OK, admito estar sendo exagerado... a coisa provavelmente não é tão fria e bitolada assim - mas em certos momentos é esta a imagem que eu fico. A maior conclusão que eu cheguei neste período todo, é que minha natureza segue sendo a mesma - ainda sou o mesmo aquele da Vila Farroupilha, dos churrascos da Computação, dos shows da Fall Up ou do movimento estudantil. Sou meramente um ser humano, e como humano sou um ser social, um ser que precisa se sentir importante, querido (ou mesmo às vezes detestado) pelas pessoas ao redor.

Então, volto àquele primeiro verso do primeiro post desta série: "continue pensando assim, você quer ser melhor para mim, e acaba melhor para o mundo... e acaba melhor para tudo". Cada vez que penso nesta frase, como se fosse dita por alguém que eu amo,
percebo que é esta a maior (e talvez única) motivação em minha vida. Que é por querer ser melhor para aqueles que amo, que acabo sendo melhor para o mundo, e mesmo melhor para mim mesmo.

Por isso, pessoal que me lê, não hesitem em manifestar qualquer preocupação comigo. Sempre que quiserem me xingar, me criticar, saber como eu estou, contar uma fofoca, por favor: façam!!! Nada mais importante para mim do que perceber que sou importante para alguém, que existem pessoas para quem eu realmente faço diferença. E, se em algum momento eu fico meio distante, se algum motivo me leva a me afastar um pouco mais, me perdõem - são geralmente estes os momentos que mais preciso da compreensão e do carinho de vocês!!!

Um grande abraço a todos

Pausa na auto-análise: esclarecendo disciplina e liberdade

"...Disciplina é liberdade
Compaixão é fortaleza
Ter bondade é ter coragem..."

Para não perder o costume, comecei de novo com Legião Urbana ("Há Tempos", primeira faixa do álbum "As Quatro Estações"). No último post, começei a falar sobre as "liberdades" que me afligem, mas acho que antes de concluir esta série de posts, preciso estabelecer um pouco melhor minha visão dos diferentes conceitos de liberdade. Então, meu foco maior é naquela frase inicial: "disciplina é liberdade".

Como eu disse antes, poetas podem escrever qualquer coisa sem deixar claro o que querem dizer (e muitas vezes sem dizer nada realmente). E frases pequenas como esta são perfeitas para fazer pensadores e filósofos de refúgios virtuais e mesa de bar ficarem discutindo por horas sobre "o que ele queria dizer", ou "como pode associar com as coisas que estão acontecendo".

Não acho que meu pai, nos anos que serviu o Exército, fosse concordar que havia muita liberdade naquela disciplina hierárquica tão forte. Nem tampouco acho que algum pré-adolescente disciplinado a ir dormir às 11 da noite se sinta livre quando quer ficar jogando algum WOW da vida até tarde com os amigos virtuais (para aqueles que, como eu, andam desatualizados no mundo dos jogos virtuais, WOW é a abreviatura de World of Warcraft, um MMORPG bastante popular na primeira década deste século - e para aqueles que também não sabem o que é um MMORPG, provavelmente esta informação não vai fazer muita diferença).

Vamos, então, um pouquinho mais fundo. No dicionário (minha referência é o Priberam, dicionário online de português), dentre várias definições de disciplina, podemos mencionar as seguintes: Conjunto de leis ou ordens que regem certas coletividades, boa ordem e respeito, submissão, obediência, instrução e educação, autoridade ou respeito a autoridade. Ou seja, podemos simplificar a definição de disciplina como um conjunto de regras e o comportamento de seguir estas regras.

Por outro lado, liberdade é algo ainda mais difícil de definir. Muita gente tenta moldar o termo liberdade validar seus argumentos, justificando a disseminação de calúnias pela liberdade de expressão, ou terrorismo pela liberdade de crenças (isto sem falar de algumas definições questionáveis dos defensores do 'free market', mas vamos manter este espaço alheio a discussões políticas). Então, eu vou talvez usar do mesmo artifício, para cunhar uma definição de liberdade que me seja útil mais adiante.

Definição: Liberdade é uma entidade ou comportamento associada a um agente e que se manifesta de duas maneiras interconectadas: interna (local) ou externa (ambiental). Por liberdade ambiental, considero a possibilidade de um agente atuar de acordo com suas intenções dentro de um ambiente. Já a liberdade interna consiste na capacidade do agente em deliberar sobre seus próprios estados mentais.

Perdõem o jargão de "sistemas multi-agentes" (Moser, se tu estiveres lendo isto, imagino que terás sérias ressalvas com relação as minhas definições). Só estou tentando deixar bem claro minhas idéias de como a liberdade funciona em diferentes níveis. Por um lado, existe esta liberdade que tantos defendem veementemente, de poder fazer aquilo que se intenciona - nunca se esquecendo que, mesmo que se sejamos livre para tomar uma decisão, somos também responsáveis pelos efeitos desta nossa decisão no ambiente que nos rodeia.

Vamos tomar um exemplo bastante simplório. Imagine acordar um dia com vontade de comer Mozzarella de Búfala (talvez acompanhado de ameixas pretas). Quando abres a geladeira, percebe que o teu estoque de queijo acabou, mas existe uma porção (suficiente para saciar tua vontade) que pertence à pessoa com quem divides a geladeira. Neste caso, defino por liberdade (ambiental) esta possibilidade de comer o queijo - mesmo que saibas que vais ter que arcar com as consequências, como comprar um queijo novo ou prejudicar uma outra pessoa.

Tenho a impressão que já dá para visualizar agora o meu conceito de "liberdade interna" e a relação entre liberdade e disciplina. A situação de pegar o queijo alheio, não passa de uma resposta a um estímulo interno, um desejo mais forte. Porém, existe sempre a opção de resistir a este desejo - mais especificamente a liberdade de escolher quais os desejos que podem se manifestar nas tuas ações, em vez de meramente ser um escravo de teus impulsos mais fortes.

Matthieu Ricard, o autor do livro atualmente em minha mesa de cabeceira, define que ser livre é ser mestre de nós mesmos. Porém, para conseguir certos níveis deste tipo de auto-controle, acredito que não basta meramente querer - temos que desenvolver um comportamento que seja condizente com esta meta. Suponha alguém querendo perder peso: não basta querer comer menos para no dia segunte ter uma dieta adequada - a pessoa tem que definir um conjunto de ações, de regras a serem incorporadas no seu dia-a-dia e ter um comportamento adequado com suas metas de alimentação e peso, para que paulatinamente possa se tornar capaz de escolher se deve ou não seguir eventuais desejos de comer uma picanha assada (mal passada, com uma capa de 1cm de gordura que escorre lentamente, deixando a carne ainda mais suculenta). Este comportamento de seguir um conjunto de regras é exatamente a definição acima de disciplina.

Para encerrar, acho que uma questão pode ter ficado no ar para alguns leitores mais atentos: Num post anterior eu defini que a razão deve ser escrava das paixões, e neste post eu estou contemplando uma idéia de liberdade que é exatamente a capacidade de não ser escravo de seus desejos e impulsos - não seriam estas idéias contraditórias??? Na minha opinião, não existe uma contradição, mas sim uma complementaridade - uma hierarquia nos nossos níveis de consciência. A chamada "razão", como eu tinha dito antes, é estabelecida como uma consequência de nossas paixões, de nossas crenças, desejos e intenções (putz, BDI de novo). Porém, a nossa existência como ser humano diz respeito exatamente à maneira que nos colocamos com relação a estas paixões - se somos meramente escravos delas, ou se nos colocamos como agentes de nossa própria felicidade e destino, buscando maior liberdade para selecionar quais paixões devem ser cultivadas e quais devem ser evitadas. Se isto faz sentido, ou se alguém realmente é capaz disso, não tenho certeza - mas creio que este processo de busca, por si só, já é fascinante demais para se deixar perder entre as curvas e obstáculos de nosso caminho.

No próximo post, volto a trazer para vocês uma história cheia de ação, violência, intrigas e sexo... ou não, talvez eu siga só remoendo minhas filosofias e análises para incomodar vocês, e conseguir talvez colocar em palavras um pouquinho mais de quem eu sou. Abraços a todos

"...Lá em casa tem um poço, mas a água é muito limpa"