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Auto-análise, parte II - descrição do problema

"...Quem pensa por si mesmo é livre, e ser livre é coisa muito séria..."

Se há uma grande diferença semelhança entre o poeta e o cientista, é que ambos precisam expressar em palavras os seus sonhos, suas idéias, seu trabalho. A grande diferença, é que um bom texto científico (ao menos em teoria) deve ser claro, explicativo, sem deixar muita margem para diferentes interpretações do leitor. O poeta não tem esta restrição, alguns dos mais belos textos permitem que pessoas diferentes tenham interpretações diferentes das mesmas palavras. Este trecho acima, por exemplo, da música "l'Aventura" da Legião Urbana, continua assim

"...Não se pode fechar os olhos (1)
nem se pode olhar para trás (2)
sem se aprender alguma coisa para o futuro... (c)"

Notem que estes versos podem ser lidos (ao menos) de duas maneiras: considerando o último verso (c) como uma condição apenas para o verso (2), ou como condição de ambos (1) e (2). Ou seja, independentemente da interpretação, o autor diz que não se pode olhar para trás sem se aprender alguma coisa para o futuro. Porém, em uma interpretação se entende que não se pode fechar os olhos, nunca, e a outra diz que não é proibido fechar os olhos, desde que com isso se aprenda alguma coisa para o futuro.

Se eu não confundi ninguém, fica uma pergunta no ar: É possível se aprender alguma coisa para o futuro quando se está de olhos fechados??? E é este o primeiro ponto que eu quero chegar. Ao longo dos pouco mais de dezessete anos de minha vida, desenvolvi uma capacidade incrível de fechar os olhos para algumas coisas. Acho que, tudo começa por algo ainda mais instintivo, que é minha mania de ficar sempre remoendo as coisas que dão errado e me culpando por isso, e acumulando mais e mais coisas ao longo do tempo - para terem uma idéia, às vezes ainda me pego pensando naquela vez que eu chorei na sexta série por ter rodado em uma prova pela primeira vez na vida, e o que é pior, e por incrível que pareça, ainda me sinto meio mal com esta história.

Porém, além da capacidade de rememorar as coisas ruins, minha mente também é dotada de uma criatividade bem forte, sou capaz de criar cenários mentais que, ao menos para mim, são bem mais interessantes que a chamada 'vida real'. O resultado disso é que e cada vez que a culpa, o medo ou o arrependimento aparecem, eu consigo automaticamente me colocar num destes cenários de realidade alternativa, suficientes para que eu possa fechar os olhos para as coisas ao meu redor até o momento que a m... seja reamente iminente e inevitável - daí eu tenho que abrir os olhos e às tomar algumas decisões desesperadas para resolver as coisas. Então, adaptando a questão acima, deixo uma pergunta bem mais pessoal para mim: "Será que eu sou capaz de aprender (ou produzir) alguma coisa para o futuro, quando é tão natural para mim fechar os olhor para a realidade?"

Daí surge, para mim, uma ligação direta ao início do texto: "Ser livre é coisa muito séria". E muitas vezes, ser livre inclui a liberdade de fechar os olhos, o que no meu caso é ainda mais sério. Ainda mais nesta vida de estudante/pesquisador que eu escolhi, onde a flexibilidade de horários, de rotina de trabalho, e mesmo da minha vida pessoal, acabam gerando um grande conjunto de opções no qual eu tenho ampla liberdade para escolher. Vou dar um exemplo bem simplório: são 00:57 de uma quarta-feira, e eu tenho bastante coisa na pilha de coisas para fazer. Dentre as opções disponíveis, então, eu posso aproveitar que estou sem sono para desenvolver alguma coisa ou mesmo ler um dos artigos importantes nesta etapa do trabalho, ou então posso tentar dormir cedo para acordar mais cedo amanhã. E, é claro, ainda tenho a opção de ficar vadiando na internet, ou mesmo escrevendo no blog.

Tendo isso, dá para começar a juntar com o texto anterior. Na análise que eu havia feito, eu dizia que havia uma falta de harmonia entre razão e esta outra coisa que eu preferi designar como "paixão". Num nível global, longo prazo, tanto "razão" quanto "paixão" são as mesmas: meu grande plano, e grande sonho é terminar o doutorado no prazo. Porém, ciente disso, a razão me diz que tenho muito o que fazer, e que estou até mesmo atrasado. Por sua vez, a "paixão" faz com que eu me sinta culpado por não estar preenchendo as expectativas.

Daí vem a questão final do post de hoje. Várias evidências apontam que os instintos animais (valendo também para os humanos), ponderam de forma desproporcional os resultados a curto e a longo prazo, muitas vezes priorizando os ganhos a curto prazo mesmo quando a perda a longo prazo é evidente. Então, isto que eu chamo de "paixão" acaba tendo esta mesma característica. Encarar de frente a situação como um todo é sem dúvida a melhor opção a longo prazo. Porém, graças a minha natureza de me culpar demais, de remoer demais certas coisas, o ato de "fechar os olhos" acaba sendo uma opção mais cômoda, ou seja, uma recompensa maior no curto prazo. Com isto, esta liberdade de ação, que deveria ser benéfica, acaba me dando a opção de me enterrar cada vez mais nos meus erros - e o que é pior, erros repetidos, daqueles que eu não posso cometer, porque na prática isto significa olhar para trás sem aprender nada para o futuro!!!




Peço desculpas se o post demorou tanto... é meio complicado para mim assumir certas coisas que são fortemente pessoais, e que são tão intrínsecamente ligadas a quem eu sou. Então, mesmo que parte do texto já estivesse escrita há alguns meses, precisei de um dia de bom humor e certa paz interior para ir um pouco mais a fundo. E estas semanas de verão têm sido muito boas, com a viagem à Irlanda, companhias agradáveis para um mate, e um churrasquinho ocasional nos fins de semana de sol. No próximo post vou tentar ser menos chato, e espero apontar algumas soluções que eu consigo vislumbrar para o meu caminho, tentando fazer o link com o início do texto anterior.

Forte abraço a todos - especialmente à Paulinha, que não apareceu mais no MSN para eu poder me exibir que o show do U2 foi MARAVILHOSO!!!!!!!!!!!

Auto-análise, parte I

"...Continue pensando assim, você quer ser melhor para mim, e acaba melhor para o mundo..."

Racionalidade... quando escrevo algo na minha pesquisa, costumo definir este termo como "a capacidade de encontrar uma resposta logicamente correta". Geralmente uso este termo em contraponto com cognição, que defino como "capacidade de processamento de informações inerente ao ser humano" (Estas definições são adaptadas do clássico "Inteligência Artificial", de Stuart Russell and Peter Norvig).

Mas este contraponto, que talvez seja a maior inspiração do meu trabalho, também permeia diretamente minha vida pessoal. Não o mero contraponto das definições, mas exatamente esta barreira entre o que realmente é racionalidade, e aquilo que nós usamos para tomar decisões. Que me perdoe Lolô, com suas célebres definições de racionalidade masculina, mas ainda prefiro acreditar naquilo que dizia David Hume, filósofo britânico do século 18: "reason is and ought only to be the slave of the passions" (razão é, e somente deve ser, a escrava das paixões).

Eu poderia ficar escrevendo por horas sobre isso, mas meu foco é bem mais restrito. Só quero deixar claro meu ponto: não defendo o uso da a natureza humana (instintos, sentimentos, paixões, ou como preferirem chamar) como desculpa para a estupidez. Só acho que às vezes devemos deixar de se prender na nossa pseudo-razão humana, em certas denominações e conceitos pré-estabelecidos, e focar esta nossa capacidade de raciocínio na busca de uma maneira sensata de seguir nossas paixões.

Renato Russo disse em L'Age D'Or (álbum V da Legião Urbana) que "se a sorte foi um dia alheia a meu sustento, é que não houve harmonia entre ação e pensamento". E todo este meu papo de racionalidade é para falar sobre isso. Há algumas dezenas de horas atrás, me vi sentado na minha cama, com uma certa e conhecida dor no coração, e aquela pergunta na cabeça, mais repetida que figuinha da Arara Azul (vcs lembram do Ping Pong Pantanal???) "O que é que eu estou fazendo aqui???". E o motivo foi o de costume: trabalho atrasado, sensação de culpa e inferioridade por não estar preenchendo as expectativas profissionais, e a clássica solidão que a atmosfera londrina e as paredes do meu quarto parecem amplificar exponencialmente.

Mas, de novo, meu foco não é este... chega de lastimar... todos já estão alopéticos de saber quais são os problemas, prefiro focar nas soluções. E há muito tempo já deliberei racionalmente tudo o que eu preciso fazer, como eu devo agir e até mesmo planos A, B e C de cronogramas e deadlines para as coisas funcionarem. E daí??? Mesmo com os problemas conhecidos, e com as soluções apontadas, eu fiquei quase um ano sem escrever por aqui e ainda continuo reclamando das mesmas coisas!!! Por quê isso acontece???

Aí é que entra a falta de harmonia entre ação e pensamento - neste meu caso, meu pensamento está focado num caminho supostamente racional a seguir. Mas, voltando ao blábláblá inicial, esta razão deveria ser a escrava das minhas paixões, enquanto na realidade estes meus planos pseudo-racionais parecem ter sido alforriados há muito tempo...

Mas, como posso ter tal dilema, se eu sou um confesso apaixonado pelo meu trabalho? E, se várias vezes eu já declarei que a grande paixão da minha vida atual é voltar para a querência, por que eu não estou focado neste doutorado para acabar no prazo e ter currículo para ter mais possibilidade de escolher para onde eu vou?
E, principalmente, o que tudo isso tem a ver com a frase lá em cima? Algumas tentativas de responder a estas perguntas virão num post seguinte (em breve, podem confiar em mim :P ) , pois vcs já devem estar quase dormindo com este texto. Por enquanto, fiquem à vontade para dar seus pitacos - se estou abrindo minha vida na internet, não posso reclamar de ninguém que queira se meter a dar palpite :P

Grande abraço a todos!!!